sexta-feira, 25 de março de 2011

Pastéis de Belém (15)











Pouco antes de chegar a Lisboa, na quarta-feira de manhã, condicionei-me a ler todos os avisos, anúncios e demais mensagens escritas que visse. Poderiam me dar algum indicativo do ambiente que me esperava. Desisti da estratégia poucos minutos depois do desembarque. A primeira coisa que pude ler no aeroporto foi uma placa de uns 30 metros quadrados com uma peça turística sobre a Bahia.

A chance seguinte, um painel com peças rotativas, informava primeiro que o papel de Portugal é importante, porque o país produz 62% do papel de escritório que a Europa exporta ao Oriente Médio, inovar na produção em linha de artefatos bélicos poderia ser mais útil para aquele mercado, fiz as contas. Virando o painel, fui informado que poderia sacar em euros do saldo da conta em determinando banco brasileiro. Não tenho conta bancária e continuei limitado aos poucos cêntimos trazidos de casa.

Esperava amor à primeira vista, o que o convite para ir à Bahia e a proposta tentadora de sacar euros de um caixa eletrônico brasileiro não foram capazes de despertar. No caminho entre Lisboa e Estoril, já amanhecendo o dia, pude perceber duas coisas: que o café da manhã servido a bordo não tinha caído legal, já contei isso aqui, e que os arquitetos lusos especializaram-se em distribuir conjuntos geminados pelo acidentado relevo português. É só o que se vê, além dos geradores de energia eólica.

A agenda aqui não permitiria grandes abusos, claro. Nunca permite. Sobretudo por eu ter trazido trabalho de casa para fazer depois do autódromo. Mas conhecer um pouco da noite estorilense seria mal mais que necessário. E, depois de uma rodada de uísque no hotel, fomos atrás de um lugar onde fosse possível comer qualquer coisa. Com um pouco de sorte, seria enfim apresentado aos tão propalados pastéis de Belém.

Nova decepção. A impressão que tive foi a de que Portugal fecha às nove. Andamos um bocado pelos arredores do Cassino Estoril e fiz questão de sair do único restaurante aberto porque o garçom foi grotesco ao dizer que só serviria meu pedido no balcão – o cardápio era pouco variado e minha opção seria por um sanduba.

Mandei o gajo à merda – baixinho para ele não escutar, é verdade – e dali saí para uma outra coisa que jamais havia feito na vida: entrar em um cassino. É bem verdade que só o fizemos na tentativa de cortar caminho até o outro lado, onde supúnhamos haver mais restaurantes, mas não havia saída pelos fundos e tivemos de voltar. Casa lotada e expressões infelizes. Pencas de gente perdendo o suado dinheirinho em roletas e caça-níqueis de todos os tipos. Houve tempos em que me sentiria tentado. Não torrei um cêntimo sequer.

O jantar de quarta acabou se resumindo a um hambúrguer de qualidade questionável numa moquifa indicada por um taxista, devidamente disfarçada pela porta fechada e pela fachada escura. Fosse no Brasil, seguramente seria um ponto de putaria e venda de drogas. Era uma bodega humilde, nada mais. A experiência inglória não deixou dúvidas, e ontem tratamos de jantar no hotel, mesmo, antes do merecido descanso.

Ao amanhecer, aumentaram minhas ricas impressões sobre o país. Portugal fecha às nove e tem água suja. O plano de uma imersão na banheira naufragou na água marrom. Será que bebem isso por aqui? Pelas teses de Jackie Stewart os pilotos portugueses jamais teriam campanhas assombrosas no automobilismo, logo concluí.

Amanhã à noite volto pra casa e vejo-me sob o risco de medir todo um país por alguns metros do caminho repetido todos os dias, como já fiz condenavelmente com a Argentina. Lugar interessante, esse aqui. Cheio de gente simpática, prestativa, de fala cativante e sem a merda do gerúndio.

Já estou a ficar com saudades de Portugal.

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